por Flávio Almeida
Voltamos aqui com o Papo de banda, temporada 1! Dessa vez batemos um papo com o Bruno Galiego, vocalista da banda Boca de Lobo de Jundiaí-SP. Tenho um carinho especial com essa rapaziada, pois além de me identificar muito com o som deles, eles são lá mesma quebrada que a Facing Death, enraizados no Skate Punk e no movimento cultural presente até hoje nos bairros Cecap, Terra da Uva, Morada da Vinhas, Parque Centenário e etc... Região muito produtiva de Jundiaí. Para quem não conhece basta trocar uma ideia com quem faz o corre por aqui! Boa leitura!
FAlmeida - Grande Galiego, primeiramente eu gostaria de dizer que é um prazer enorme poder fazer essa entrevista com você sobre a Boca de Lobo! Acho que o papo aqui deve ser reto e vamos começar mandando ver, tudo bem? Vocês são de Jundiaí e a banda se forma após um movimento alternativo, fora do eixo de bandas que circulavam em Jundiaí, ou seja, do lado esquecido da cidade. Nos conte como isso ocorreu, quando e o que os motivou.
Galiego Edge - Parça, em nome do Boca de Lobo, digo que o prazer é todo nosso. É muito bom ter um espaço como este para compartilhar um pouco das nossas experiências. Bom, vamos lá. Apesar de estarmos vivendo um momento um pouco truculento em Jundiaí – e no Brasil – no que se refere à cultura, continuamos resistindo e avançando. Essa nossa persistência é reflexo de dois fatores: colocar em prática tudo que aprendemos com a nossas influências, usufruir e contribuir com a efervescência do cenário cultural de Jundiaí e região entre 2013 e 2016. Nós sempre estivemos presentes, seja como público ou tocando, nos mais diversos tipos de eventos. Tocamos com grupos de Rap, de MPB, de Reggae, entre outros. Isso acrescentou muito para nós, que já tínhamos aquela influência do modo de atuação das bandas da nossa região que tocavam no Bar do Bilé, no Clube Ipiranga, Bar do Gastaldo, Taverna, entre outros. Toda essa carga nos fornece experiência para continuar atuando firme sempre, inclusive nos momentos de truculência.
FAlmeida - Houve uma invasão da classe média com a popularização do punk/ hard core do início dos anos 2000. Tinha gente que morava em apartamento de um milhão de reais usando a camiseta do MST e por aí vai. De repente era "cool" ser alternativo e a hipocrisia reina nessas condições. Nós estávamos fazendo isso desde antes de essa gente conhecer os propósitos de se ter uma banda, cair na estrada, gravar e passar um monte de dificuldades. Nos conte como a Boca de Lobo enfrenta isso e continua passando por cima de todo mundo!
Galiego Edge - É uma questão bem delicada, mas que precisa ser abordada. Não vejo como problema um indivíduo/grupo de classe média simpatizar/apoiar um movimento oriundo de uma classe que reivindica direitos, muito pelo contrário, isso mostra o caráter de humanidade. O impasse acontece quando este indivíduo/grupo utiliza o discurso em uma esfera na qual os efeitos são nulos, digamos assim, e não chega para aqueles que precisam.
Aplicando isso ao cenário musical, é comum ver as bandas/músicos/artistas falando sobre os anseios dos mais necessitados, mas é muito complicado quando os mesmos fazem essa abordagem em um local centralizado no qual a entrada custa R$ 30,00. Por conta disso, a galera que está nas margens da cidade, que vive tudo aquilo que está sendo abordado na obra artística, fica de fora.
Sendo assim, nós, do Boca de Lobo, entendemos que é preciso estar presente no maior número de locais possíveis. É muito bom tocar em uma casa de show centralizada, nós fazemos e faremos isso sempre! Mas também é bom estar presente nas margens das cidades, participando de shows acessíveis, ver a galera se divertindo, enfim.
FAlmeida - Para bandas como a Facing Death, Boca de Lobo e tantas mais, onde os integrantes trabalham, têm família e, o curto tempo que sobra para a banda, nunca é suficiente para o trabalho que pretendemos ou gostaríamos de realizar. Como vocês se organizam com relação a esses assuntos.
Galiego Edge - Parça, é muito complicado, pois nós somos nossos próprios assessores (Risos). Mas estamos com os pés no chão, sabe!? Dividimos entre os integrantes as tarefas, buscamos não comprometer a vida profissional e nem as famílias dos integrantes e vamos levando. Apesar das dificuldades, a gente consegue aprender muito com isso. São ações que até reforça os laços entre os integrantes e solidifica o trabalho nos palcos e fora dele. Claro, não podemos nos esquecer que temos apoio de camaradas e bandas que reconhecem o nosso esforço e nos auxiliam, e nós fazemos de tudo para auxiliá-los também.
FAlmeida - A Boca de Lobo sempre faz shows frenéticos! Como é o processo de ensaio para shows? Vocês montam um show, pensam no que vai rolar entre as músicas ou tudo acontece naturalmente?
Galiego Edge - Bicho, está complicado (risos). Por conta da agenda de shows, que precisa ser conciliada com a agenda de gravação do álbum e com a agenda profissional de cada integrante, os ensaios não estão acontecendo. Temos consciência de que isso prejudica um pouco, mas estamos conseguindo levar bem. Por causa dessa conturbação, tudo está rolando naturalmente nos shows. A Alcateia Maldita vem nos surpreendendo e nos confortando nas apresentações. A plena interação com o público nos auxilia demais, dá segurança e confiança.
FAlmeida - É sempre importante levar a sua música onde ainda ela não foi. Digo isso com relação a tocar onde ainda não se tocou. Como é o planejamento de vocês para fazer isso? Pensam em tours distantes, longas?
Galiego Edge - Acredito que todas as bandas têm esse objetivo de alcançar todos os lugares, com a gente não é diferente. Como disse anteriormente, é ter os pés no chão e fazer o máximo que pudermos ao nosso alcance. Ainda não tivemos a oportunidade de fazer tour ou algo do tipo, então não temos um planejamento (risos). Mas acreditamos no potencial do nosso trabalho, e seguimos em busca de amplificar a nossa musicalidade. Enquanto não vivemos algo neste sentido, vamos ouvindo as histórias da Facing Death, da Fistt, e guardando tudo na mente para o dia que precisar (risos).
FAlmeida - A banda não sendo uma fonte de renda, significa que é preciso colocar dinheiro que foi ganho com outro trabalho para as coisas acontecerem. Como é o planejamento financeiro que a Boca de Lobo faz para por exemplo, conseguir gravar, bancar a logística de uma tour entre outros.
Galiego Edge - Demorou um pouco, mas estamos aprendendo a lidar com essas questões financeiras. Vamos nos ajudando, pois não temos muita grana. Quando falta para um camarada, o outro auxilia e vice-versa. E outra, temos grandes parceiros que dão aquela força no parcelamento da gravação no estúdio, faz um preço bacana nas artes, temos o costume de chamar a galera para fechar van para os shows, e muito mais. Também estamos alinhando os nossos merchs, que sempre tivemos uma certa dificuldade para lidar. E assim vamos levando.
FAlmeida - Vocês estão preparando um disco completo e recentemente lançaram uma amostra do que vem por aí. Vocês sentem falta de selos que trabalhem lado a lado com as bandas para gerar material de qualidade e uma boa distribuição?
Galiego Edge - É muito complexo, cara. Acredito que por conta dos avanços e acesso às tecnologias, a galera começou a produzir a própria obra, errando e acertando, aos poucos. Tem muitos músicos, bandas e até selos que produzem grandes obras dentro do quarto, e distribuem tudo, sabe!? (Risos). Acredito que a dificuldade, pelo menos para nós, está em manusear tanta ferramenta tecnológica ao nosso redor. Essas paradas de plataforma de distribuição, cadastros, e-mails, isso frita demais a mente (risos).
FAlmeida - Vocês têm dois vocalistas. Como vocês definem as partes que cada um vai cantar e vocês costumam se preparar antes dos shows? Como é o processo de composição pensando em dois vocais distintos?
Galiego Edge - As composições são elaboradas com essa dinâmica das duas vozes. Avaliamos cada frase, fazemos um experimento e definimos quem canta o quê. Na construção da canção, vamos adicionando e alinhando os sons, os berros, as dobras e tudo mais. É um processo de criação um pouco complexo, mas que tem um resultado interessante e a galera reconhece isso.
FAlmeida - Já perguntei isso aqui para algumas outras bandas, mas preciso também perguntar para você! Circuito Interior de São Paulo, vocês acreditam que é possível montar um circuito onde todas as bandas que fazem acontecer possam estar sempre tocando?
Galiego Edge - Óbvio que é possível! Na verdade, de forma natural, isso já é uma realidade para nós. O que falta é um nível de organização um pouco mais aprofundado, mas isso vai acontecer conforme as próprias iniciativas. É um processo de muito aprendizado. Em Jundiaí, por exemplo, temos o AstroDeath Fest, Matinê Hardcore, Prophets of Chaos. Em Itatiba está rolando uma movimentação também. A galera de Atibaia e região tem o Rarozine Fest, Disgraça Fest, Biancos Fest. Dentro deste cenário, entendo que é plenamente possível montar o circuito.
FAlmeida - Bom, 10 perguntas para você não é o suficiente, mas, gostaria que você deixasse aqui alguma mensagem que possa localizar a Boca de Lobo no cenário alternativo-cultural aqui de Jundiaí.
Galiego Edge - Bom, gostaria de aproveitar a oportunidade para agradecer novamente pelo espaço. Quero agradecer também os tantos e tantas camaradas que marcam presença nos rolês, que organizam shows, que fazem o nosso cenário acontecer.
Bom, estamos no Facebook (https://www.facebook.com/bocadelobo666/) e no Instagram (@bocadelobo666), nestas redes estão as nossas vivências, agenda de shows e links de audição nas principais plataformas. Colem nos nossos shows!
FAlmeida - Se você ainda não conhece a banda Boca de Lobo de Jundiaí-SP, vou sugerir aqui 2 músicas para vocês entrarem de cabeça na alcateia maldita!
A primeira é Comodismo, da DEMO de 2015, penúltima faixa do primeiro EP dos caras. Aqui na minha opinião, é possível se situar no estilo e peso da Boca de Lobo. As trocas vocais são muito bem impostas, nuances Sabbathicos no meio da música com um Riff de transição avassalador, muito bem executado pelo Matheus Cappuccelli com seu famigerado Metal Zone, incrível!! A outra faixa que indico é Lado Esquecido, música que encerra o último Ep (Relatos do Lado Esquecido - 2019). Aqui vemos uma banda que está preparada para fazer um registro full ou talvez decidir como irá lançar os próximos trabalhos, sendo com EP’s ou mesmo singles. A essência de criação da banda, pelo que eles cantam e pelo que vivem está aqui nessa canção. Se você não entender do que estamos falando, é hora de tirar a bunda do sofá e colar nos shows periféricos, também de outros estilos e estar presente onde se faz cultura de qualidade às margens da classe média.
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