Por Vinícius Vieira
No dia 25 de fevereiro, em seu perfil pessoal no Facebook, Fábio Sonrisal, guitarrista do Hateen e ex-membro do Street Bulldogs, Aditive, Another Side e Predial, fez um desabafo que viralizou no cenário independente e levantou um velho debate entre bandas covers e autorais.
Em sua postagem, o músico salientava:
“A gente já acha o músico cover um baita lixo goza (sic) com o pau dos outros. E você claramente vê na timeline, que a unica "classe" musical que toca o foda-se e ta aí aglomerando pelos barzinhos, são esses mesmos merdas. Maldito país que nada funciona. Se tivesse que pagar recolhimento autoral, DE VERDADE, sasporra não tinha o que fazer da vida.
Cada classe, com seu câncer né…”
Obviamente, a postagem dividiu opiniões nos comentários. De um lado, gente que apoiava o pensamento do guitarrista do Hateen, dizendo: “Falei isso uma vez e quase fui linchado virtualmente. Hoje mesmo vi um ex-companheiro de banda indo tocar com a sua banda cover, sem máscara, tocando o foda-se[...]”. Enquanto houve quem relembrou que músico de banda cover também é um profissional que tem contas para pagar: “Vi vários músicos passando fome na pandemia, tendo que vender equipamento pra pagar as contas básicas. Os que eu conheço, e trabalho, tão indo tocar por necessidade e não por oba oba. Claro que existem as exceções e tem muito músico fazendo merda. Infelizmente nossa classe não é unida e não tem nenhum programa do estado que atenda a classe”, frisou um dos internautas, que ainda mencionou a Lei Aldir Blanc, criada e sancionada em agosto de 2020, que prevê auxílio financeiro ao setor cultural e aos profissionais da área que sofreram com impacto das medidas de distanciamento social por causa do coronavírus. “A Aldir Blanc deu uma ajuda, mas no geral ficamos desamparados”, completou.
Entretanto, por mais polêmica e divisiva que seja a postagem feita por Sonrisal, uma coisa há de se refletir, o cenário musical independente já não contava com apoio e, principalmente, com a presença massiva do público, muito antes da pandemia da covid-19. Casas de shows que abrigavam bandas independentes em São Paulo, encerram as suas atividades, como o Studio SP (2013), Inferno Club (2016) e a Funhouse (2017). O mítico Hangar 110 também anunciou a sua despedida no ano de 2016, cumprindo uma temporada gloriosa de encerramento no ano seguinte, atraindo a atenção dos saudosistas e de quem queria dar o último adeus. Anunciou o seu retorno em 1º de março de 2020, apenas 14 dias antes das medidas de isolamento social serem anunciadas por todo o país, e hoje segue temporariamente fechada realizando apenas lives de bandas já consagradas no meio, como Pense, Zander, Surra, Glória, o show de retorno do Rancore, além do próprio Hateen.
E com a pandemia entre nós, e as medidas de isolamento social em curso, mais casas de shows foram fechadas, como o Centro Cultural Zapata, Underground Club e Morfeus Club, todas em São Paulo, além de outras regiões, como Aldeia Rock Bar e Bar do Bilé, ambas em Jundiaí, interior de São Paulo, assim como muitas por todo o Brasil.
Portanto, é importante ressaltar que por mais que a pandemia tenha escancarado a crise no cenário independente, ela já estava sendo projetada há muito tempo, considerando que o público não tem mais interesse em conhecer música nova e se sente completamente confortável com o seu gosto musical já consolidado. Uma pesquisa realizada em 2018 pela plataforma de streaming Deezer, com usuários de cinco países diferentes, entre eles o Brasil, descobriu que quem tem mais de 28 anos tem menos interesse por músicas novas. Isso significa, quem viveu a adolescência na época de ouro da música independente no início dos anos 2000, com CPM 22 já consagrado na Arsenal Music e de bandas como Dead Fish, Dance Of Days, Sugar Kane, NX Zero, Fresno e o supracitado Hateen movimentando a cena, hoje, essas mesmas pessoas, na casa dos 30 anos de idade, não tem mais interesse em conhecer as bandas novas que movimentam o cenário musical atual, como Strawberry Licor, Red Coins, Dinohorse, Boca de Lobo, Tested, Bioma, Xavosa, Lili Carabina, Clandestinas, Malvina, Facing Death, Genomma, La.Marca e Social Breakdown, para citar algumas.
E mesmo com as bandas independentes produzindo conteúdos, lançando músicas e discos novos e proliferando tudo através da eficiência e pluralidade da internet, ainda existe uma enorme concentração e procura do público pelos mesmos artistas. Um estudo realizado com a plataforma de streaming Spotify mostra que 2 milhões de artistas do mundo todo estão na plataforma, porém apenas 5% deles são responsáveis por 95% dos streams.
Baseado nas duas pesquisas, fica evidente porque as casas independentes fecharam, muito antes da pandemia, e porque as casas que optaram por ceder o espaço somente para bandas covers, ainda conseguem gerar receita, até mesmo no período de isolamento social. Unicamente por causa do público que quer ter a garantia de ouvir algo do qual ele já esteja familiarizado, ao invés de dar uma chance ao novo. E com cada vez mais pessoas aderindo cada vez menos o isolamento social, inversamente ao número de mortes pelo novo coronavírus que só tem aumentado, as poucas casas que têm aberto as suas portas, atendendo os protocolos de segurança e medidas de isolamento social, são justamente os espaços que abrigam bandas covers, como pontuado por Sonrisal na postagem mostrada no início do texto. Porém, nos comentários o músico afirmou que excedeu um pouco nas palavras, ao defender o seu ponto de vista: “Desnecessário as ofensas e termos pesados. Em dias de raiva e frustração, a melhor coisa a fazer é ficar offline. Mirei nas bandas que estão aí pra rua e acertei em geral”.
Mas quando a pandemia for controlada, quando a humanidade for imunizada contra a covid-19, o que será do underground? Para Tyello Silva, ex-guitarrista do Dance Of Days e proprietário do estúdio de ensaio Rock Together, localizado em São Paulo, o fim da pandemia pode trazer um cenário otimista: “Eu comento com todos os meus amigos músicos, que depois que passar tudo isso, o entretenimento vai crescer muito. A galera vai querer ir pra rua, vai querer ir ver show, vai querer montar banda, a galera vai querer comprar instrumento e vai querer vir ensaiar”, diz esperançoso o músico.
Com o estúdio fechado desde 15 de março de 2020, Tyello conseguiu sobreviver vendendo os seus equipamentos de áudio: “Eu fiquei três meses basicamente fechado, sem vir ninguém ensaiar por aqui, foi um momento muito difícil, tive que vender muito equipamento, pra me manter até agora”, diz o músico que também recorda que o espaço criado por ele em 2004, surgiu inicialmente apenas como um local de ensaio para a sua banda na época, e que só depois foi aberto ao público, também recebendo shows de diversos artistas independentes, como Zander, FISTT, War Inside, Dead Fish e Good Intentions, que inclusive realizou o último show do espaço, antes da pandemia, comemorando os 20 anos de trajetória da banda: “Eu não sou um empresário que foi ali e montou um estúdio pra ganhar dinheiro, eu sou um roqueiro punk que montou um estúdio pra banda ensaiar, na época do Dance Of Days, e eu fui crescendo. Hoje eu tenho aí um nomezinho no mercado”, afirma o punk empresário. “Mas vamos acreditar que todo mundo vai ser imunizado, que as mortes vão parar e que vamos tocar a nossa vida adiante”, finaliza.
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