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Qual a possibilidade do Underground sobreviver à covid-19?


Banda Lili Carabina (Foto: Pedro Henrique)

Por Vinícius Vieira


No dia 25 de fevereiro, em seu perfil pessoal no Facebook, Fábio Sonrisal, guitarrista do Hateen e ex-membro do Street Bulldogs, Aditive, Another Side e Predial, fez um desabafo que viralizou no cenário independente e levantou um velho debate entre bandas covers e autorais.


Em sua postagem, o músico salientava:


“A gente já acha o músico cover um baita lixo goza (sic) com o pau dos outros. E você claramente vê na timeline, que a unica "classe" musical que toca o foda-se e ta aí aglomerando pelos barzinhos, são esses mesmos merdas. Maldito país que nada funciona. Se tivesse que pagar recolhimento autoral, DE VERDADE, sasporra não tinha o que fazer da vida.

Cada classe, com seu câncer né…”


Obviamente, a postagem dividiu opiniões nos comentários. De um lado, gente que apoiava o pensamento do guitarrista do Hateen, dizendo: “Falei isso uma vez e quase fui linchado virtualmente. Hoje mesmo vi um ex-companheiro de banda indo tocar com a sua banda cover, sem máscara, tocando o foda-se[...]”. Enquanto houve quem relembrou que músico de banda cover também é um profissional que tem contas para pagar: “Vi vários músicos passando fome na pandemia, tendo que vender equipamento pra pagar as contas básicas. Os que eu conheço, e trabalho, tão indo tocar por necessidade e não por oba oba. Claro que existem as exceções e tem muito músico fazendo merda. Infelizmente nossa classe não é unida e não tem nenhum programa do estado que atenda a classe”, frisou um dos internautas, que ainda mencionou a Lei Aldir Blanc, criada e sancionada em agosto de 2020, que prevê auxílio financeiro ao setor cultural e aos profissionais da área que sofreram com impacto das medidas de distanciamento social por causa do coronavírus. “A Aldir Blanc deu uma ajuda, mas no geral ficamos desamparados”, completou.



O post polêmico feito por Fábio Sonrisal (Hateen)

Entretanto, por mais polêmica e divisiva que seja a postagem feita por Sonrisal, uma coisa há de se refletir, o cenário musical independente já não contava com apoio e, principalmente, com a presença massiva do público, muito antes da pandemia da covid-19. Casas de shows que abrigavam bandas independentes em São Paulo, encerram as suas atividades, como o Studio SP (2013), Inferno Club (2016) e a Funhouse (2017). O mítico Hangar 110 também anunciou a sua despedida no ano de 2016, cumprindo uma temporada gloriosa de encerramento no ano seguinte, atraindo a atenção dos saudosistas e de quem queria dar o último adeus. Anunciou o seu retorno em 1º de março de 2020, apenas 14 dias antes das medidas de isolamento social serem anunciadas por todo o país, e hoje segue temporariamente fechada realizando apenas lives de bandas já consagradas no meio, como Pense, Zander, Surra, Glória, o show de retorno do Rancore, além do próprio Hateen.


Fachada do Hangar 110 em São Paulo (SP)

E com a pandemia entre nós, e as medidas de isolamento social em curso, mais casas de shows foram fechadas, como o Centro Cultural Zapata, Underground Club e Morfeus Club, todas em São Paulo, além de outras regiões, como Aldeia Rock Bar e Bar do Bilé, ambas em Jundiaí, interior de São Paulo, assim como muitas por todo o Brasil.

Portanto, é importante ressaltar que por mais que a pandemia tenha escancarado a crise no cenário independente, ela já estava sendo projetada há muito tempo, considerando que o público não tem mais interesse em conhecer música nova e se sente completamente confortável com o seu gosto musical já consolidado. Uma pesquisa realizada em 2018 pela plataforma de streaming Deezer, com usuários de cinco países diferentes, entre eles o Brasil, descobriu que quem tem mais de 28 anos tem menos interesse por músicas novas. Isso significa, quem viveu a adolescência na época de ouro da música independente no início dos anos 2000, com CPM 22 já consagrado na Arsenal Music e de bandas como Dead Fish, Dance Of Days, Sugar Kane, NX Zero, Fresno e o supracitado Hateen movimentando a cena, hoje, essas mesmas pessoas, na casa dos 30 anos de idade, não tem mais interesse em conhecer as bandas novas que movimentam o cenário musical atual, como Strawberry Licor, Red Coins, Dinohorse, Boca de Lobo, Tested, Bioma, Xavosa, Lili Carabina, Clandestinas, Malvina, Facing Death, Genomma, La.Marca e Social Breakdown, para citar algumas.


E mesmo com as bandas independentes produzindo conteúdos, lançando músicas e discos novos e proliferando tudo através da eficiência e pluralidade da internet, ainda existe uma enorme concentração e procura do público pelos mesmos artistas. Um estudo realizado com a plataforma de streaming Spotify mostra que 2 milhões de artistas do mundo todo estão na plataforma, porém apenas 5% deles são responsáveis por 95% dos streams.


Baseado nas duas pesquisas, fica evidente porque as casas independentes fecharam, muito antes da pandemia, e porque as casas que optaram por ceder o espaço somente para bandas covers, ainda conseguem gerar receita, até mesmo no período de isolamento social. Unicamente por causa do público que quer ter a garantia de ouvir algo do qual ele já esteja familiarizado, ao invés de dar uma chance ao novo. E com cada vez mais pessoas aderindo cada vez menos o isolamento social, inversamente ao número de mortes pelo novo coronavírus que só tem aumentado, as poucas casas que têm aberto as suas portas, atendendo os protocolos de segurança e medidas de isolamento social, são justamente os espaços que abrigam bandas covers, como pontuado por Sonrisal na postagem mostrada no início do texto. Porém, nos comentários o músico afirmou que excedeu um pouco nas palavras, ao defender o seu ponto de vista: “Desnecessário as ofensas e termos pesados. Em dias de raiva e frustração, a melhor coisa a fazer é ficar offline. Mirei nas bandas que estão aí pra rua e acertei em geral”.


Mas quando a pandemia for controlada, quando a humanidade for imunizada contra a covid-19, o que será do underground? Para Tyello Silva, ex-guitarrista do Dance Of Days e proprietário do estúdio de ensaio Rock Together, localizado em São Paulo, o fim da pandemia pode trazer um cenário otimista: “Eu comento com todos os meus amigos músicos, que depois que passar tudo isso, o entretenimento vai crescer muito. A galera vai querer ir pra rua, vai querer ir ver show, vai querer montar banda, a galera vai querer comprar instrumento e vai querer vir ensaiar”, diz esperançoso o músico.



Tyello Silva: "Depois que passar tudo isso, o entretenimento vai crescer muito"

Com o estúdio fechado desde 15 de março de 2020, Tyello conseguiu sobreviver vendendo os seus equipamentos de áudio: “Eu fiquei três meses basicamente fechado, sem vir ninguém ensaiar por aqui, foi um momento muito difícil, tive que vender muito equipamento, pra me manter até agora”, diz o músico que também recorda que o espaço criado por ele em 2004, surgiu inicialmente apenas como um local de ensaio para a sua banda na época, e que só depois foi aberto ao público, também recebendo shows de diversos artistas independentes, como Zander, FISTT, War Inside, Dead Fish e Good Intentions, que inclusive realizou o último show do espaço, antes da pandemia, comemorando os 20 anos de trajetória da banda: “Eu não sou um empresário que foi ali e montou um estúdio pra ganhar dinheiro, eu sou um roqueiro punk que montou um estúdio pra banda ensaiar, na época do Dance Of Days, e eu fui crescendo. Hoje eu tenho aí um nomezinho no mercado”, afirma o punk empresário. “Mas vamos acreditar que todo mundo vai ser imunizado, que as mortes vão parar e que vamos tocar a nossa vida adiante”, finaliza.



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