por Robson Assis
Este 2020 é realmente um ano que nos roubou a brisa, de inúmeras formas. Contudo, se de um lado a pandemia trouxe uma insegurança extrema e a ansiedade para evitar aglomerações, por outro nos mostrou formas de trabalhar com as quais jamais imaginamos antes.
A conversa de hoje é com o Kleber do Primeiro Andar Studio & Produções, um dos pólos culturais mais legais da zona sul de São Paulo que trabalha com artistas voltados à contracultura, ao Hip-hop e atua de maneira bem influente na questão de oficinas técnicas oferecendo autonomia a jovens artistas e interessados em fazer música fora dos moldes comerciais tradicionais.
Muito da força pulsante do Primeiro Andar Studio & Produções está na capacidade de se reinventar e atuar em tantas frentes interessantes e frutíferas. Afinal de contas, além de estúdio para ensaios e gravações, o espaço respira conhecimento, troca de experiências e muito mais do que ver a música de uma distância segura, ele funciona ainda como um selo para ajudar a divulgar material da cena independente produzido lá mesmo.
Confira abaixo esse papo onde o Kleber conta pra gente como anda o estúdio nestes tempos e o que eles têm feito pra encarar essa pandemia de frente.
SF: Conta pra gente como foi o breque da pandemia em relação ao estúdio em si, como vocês enfrentaram isso logo de cara.
KLEBER: Coincidentemente, a gente estava se preparando pra dar uma parada mesmo nas atividades do final de março até o meio de abril, mais ou menos. Estávamos nos programando pra retomar no dia 15 de abril, por conta do nascimento da Maya. O estúdio é familiar né, a gente costuma falar que é a "Família Primeiro Andar Estúdio" e a família cresceu nesse começo de ano. Chegou no mundão a Maya, pra fechar o time junto com o Jorginho e a Sabrina. A Maya nasceu no dia 15 e no dia 17 começou a pandemia. A gente não entendia muito o que estava acontecendo. Março e abril foi bem nebuloso, mas a gente tava voltado pra coisa da maternidade e paternidade, reclusos mesmo, com as atividades mais restritas, até familiar e tal. Então a gente ficou meio que esperando né mano.
A gente tava preparado pra pandemia e nem sabia. Como o estúdio já há alguns anos é meio que um estúdio/produtora cultural/selo/gravadora, então a atividade principal de gravação e ensaio, que são as atividades que a gente chama de "balcão", que vem mais da rua assim, a gente tinha pouca movimentação disso. Então, sei lá, 70% das atividades do estúdio estavam voltadas pra coisa da produção cultural.
Estamos com um projeto de produção cultural, o "Seja independente ou morra", que garante pra gente pagamento das contas mínimas assim, né, então isso deu um respiro pra gente num primeiro momento, mas é angustiante porque a maioria das atividades elas foram planejadas pra fazer em coletivo, né, em grupo, a gente adora receber gente aqui. E converter a maioria dessas atividades pro universo online ainda é um bagulho pra nós que é muito estranho assim. A gente gosta é de olho no olho, enfim, a coisa da música só faz sentido pra gente estar junto né, todo mundo junto. Então os primeiros momentos foi um breque total, foi embaçado.
SF: E durante esse período em que vocês ficaram relativamente de portas fechadas, vocês fizeram alguma movimentação, reestruturação ou coisa parecida?
KLEBER: Já no final do ano a gente tinha dado uma pausa entre a semana do natal, ano novo e as primeiras semanas de janeiro pra dar uma reforminha no estúdio. A gente tinha reformado o espaço de convivência da recepção, refeito toda a parte técnica, organizado o depósito. Isso aí a gente tinha estruturado no final do ano, então nem fez muito sentido a gente pensar em obra aqui, mas como a gente recebeu algumas pessoas durante a quarentena pra gravação sempre respeitando essa coisa do distanciamento (uma pessoa numa sala, a gente em outra), álcool em gel, a porra toda, foi mais essa adaptação pra receber as pessoas durante a pandemia, pra gente correr o mínimo de risco possível e oferecer o mínimo de risco possível pras pessoas.
Então a adaptação que a gente fez foi essa de organizar o espaço pra receber todo mundo: pano com água sanitária nas portas, álcool em gel em todos os lugares aqui do estúdio, instalamos toalheiro de papel no banheiro e em outros lugares pra galera ficar mais segura.
SF: As lives estouraram depois do começo da pandemia. Tem rolado alguma coisa nesse sentido no estúdio? Como lives propriamente ditas ou mesmo produções à distância?
KLEBER: Sobre a coisa de lives, mano, a gente não apostou nessa frente de trampo porque a nossa sala, apesar do espaço aqui do estúdio ser até relativamente grande (a gente tem recepção, hall de entrada, tem uma cozinha/escritório, a sala de ensaio, a sala técnica e um depósito, então é bem grande), os espaços são pequenos. Então a gente apostou em não fazer porque a gente achou que, meu, colocar mais de três pessoas dentro da sala aqui de ensaio já seria insano, já seria um risco né. E aí com certeza essas lives são mais gente, né, tem uma pessoa pro áudio, uma pessoa pro vídeo e a banda. Então a gente não apostou nisso.
O que a gente vem fazendo assim e que, na verdade, é uma aposta que a gente tem desde 2012, é dar muita assessoria pra galera (e nem foi um bagulho que a gente fez cobrando), na verdade as pessoas que vinham procurar a gente, a gente já vinha trocando essa ideia de ajudar mesmo a galera a gravar em casa. A gente sempre acreditou nisso, desde quando a gente começou a aprender a gravar aqui, fazendo oficinas pra molecada até hoje. Inclusive uma das atividades online foi o registro dessas oficinais de produção musical à distância. E aí a gente deu muita assessoria pra galera, a gente montou setups, eu fiz uma indicações de equipamentos pra galera comprar no início, ajudei com a instalação dos programas pra galera começar a gravar em casa mesmo. Então isso foi o que a gente fez à distância de forma remota.
SF: Vocês estão vendo essas reaberturas graduais com bons olhos ou ainda rola insegurança nesse primeiro movimento de reabertura pra vocês no estúdio?
KLEBER: Minha percepção e a postura do estúdio a gente acha que é cedo pra caralho ainda né. Eu sei que tá osso, a gente até tá numa condição bem confortável até o final do ano por conta dessa coisa de ter um planejamento anual e estar conseguindo pagar as contas mesmo "de portas fechadas", né. Eu tenho um monte de amigos que são donos de estúdio ou que trabalham na área musical, ou pessoal da graxa mesmo, técnicos que tão fudidos mesmo, mas a gente também entende que por outro lado é cedo porque o Brasil encarou o lance da pandemia de uma forma bem amadora. A gente não tinha uma política clara de combate à pandemia. A gente não enfrentou isso. A gente não sabe nem o número de infectados, a gente não conseguiu nem mapear o vírus. Enquanto outro países do mundo conseguiram identificar quem foi a primeira pessoa infectada a entrar no país e onde o vírus se disseminou, aqui a gente não sabe nem o número certo de mortos, né. Enquanto não tiver uma vacina, a gente acredita que as coisas não vão ser totalmente seguras.
É óbvio que a gente faz o que todo mundo tem que fazer pra sobreviver na real. A gente também é de quebrada, o estúdio tá na quebrada, a gente vê aqui a única família que tá em quarentena é a nossa aqui na rua no sentido de não receber pessoas, de não fazer festa. Aqui, pra você ter uma ideia, tem molecada brincando de bola na frente do portão do estúdio. E a gente brinca com a molecada "cadê a máscara?" e a molecada que se foda, assim, eles falam "só vou usar máscara pra ir em Santo Amaro que é longe, aqui não vou usar máscara não". Então pra você ver né mano, o nível de informação que a gente tem dessa doença é muito pequeno ainda, a forma de disseminação e tal.
Entendo que as pessoas precisam voltar a trampar senão vai fechar a porta e vai ser foda mesmo, mas por outro lado a gente entende que é um risco né, sempre é um risco. Então toda vez que a gente sai na rua a gente tá correndo risco. Eu mesmo vou fazer alguns trabalhos técnicos nesse próximo mês e tô cagando de medo, a gente tá se organizando aqui pra tomar o máximo de cuidado possível, mesmo que seja com equipe reduzida, mas você não sabe com quem que as pessoas estão se relacionando, então a gente fica sempre vulnerável.
Então a gente ainda tá bem com receio assim, né, dessa coisas das aberturas. Precisava dar um breque e a gente tentear se unir pra cobrar uma posição mesmo do Estado. Teve uma manifestação da galera da graxa no final de semana, achei foda, talvez um dia histórico, primeira vez que eu vejo a categoria se reunindo né, talvez isso dê frutos mais pra frente.
SF: Conta se tem quaisquer projetos pra quando terminar a quarentena e deixa uma mensagem pra galera das bandas, que ensaia/grava com vocês, organiza eventos no espaço etc.
KLEBER: A gente já tava na real pensando em várias coisas pra se tornar online, com essa coisa do ramo do estúdio e da produção, a gente já tava pensando que o estúdio de ensaio e gravação ia acabar como as locadoras num futuro muito próximo. E acho que com essa pandemia as coisas aceleraram mais. Porque o pessoal começou a ver que é possível. Antes a gente até falava pra galera "olha o estúdio vai acabar, é inviável manter uma estrutura dessa pras bandas ensaiarem, gravarem e tal" como a atividade de ensaio aqui é muito baixa, a gente já tava pensando nesse lance de trabalhar de forma remota nos lances de gravação. Então o que a gente tá discutindo muito é isso, em tentar transformar as atividades do estúdio de forma online e tal. A gente ainda não tem muito certo como vai acontecer, mas o planejamento todo tá indo nessa direção.
A mensagem que eu deixo pra galera é: cara, a gente precisa se cuidar. eu vou falar mais pro nicho de público que cola aqui no estúdio que é a galera da contracultura, do hip-hop. Eu acho que mais do que nunca a gente precisa de uma união entre os grupos pra pressionar o governo pra esse setor criativo e encarar o que gente faz como trampo. Uma pá de gente ainda olha pra essas atividades como hobby, como uma coisa que não é fundamental. E a gente viu nessa quarentena, se não fosse você comprar uma plaquinha de som, instalar uns programas pra fazer um som com a galera mesmo à distância, a gente ia pirar, tá ligado. Acho que é isso né. Esperamos que essas coisas não aconteçam mais, mas se vier a acontecer qualquer coisa próximo a isso, a gente precisa estar mais perto um do outro né e se organizar quanto a isso.
Pra galera ter calma, eu sei que tá todo mundo na ansiedade pra voltar a tocar. Eu não vejo a hora, desde janeiro que não piso num palco, nem pra trampar, nem pra tocar. O último show que fiz foi no começo de fevereiro. Mas é momento de ter cautela, da gente proteger os nossos. Porque os cara não tão nem aí, querem mais é que se foda, que a gente se exponha mesmo a essa porra desse vírus, leve isso pra dentro das nossas casas, contamine os mais velhos, coloque em risco os mais novos.
Então mano, a mensagem que a gente deixa é pro pessoal se cuidar e tomar cuidado e aproveitar o momento pra compor pra caralho, aprender mais sobre produção, organizar as tarefas da banda que a gente nunca faz, correr atrás dos seus direitos autorais, das suas páginas, a forma que você tá se comunicando com seu público. Aproveitar esse momento pra isso, pra quando a coisas se normalizar, a gente conseguir voltar a milhão.
SERVIÇO
Primeiro Andar Studio & Produções
Rua Tapiraipe, 231 - Jardim Imbuias
Commentaires